sexta-feira, 11 de julho de 2008

Boal, em nome da paz


Tão logo soube da indicação de Augusto Boal ao Prêmio Nobel da Paz, em janeiro, CartaCapital tentou entrevistá-lo. À época, no entanto, ele viajava a trabalho pela França. No contato seguinte, em junho, a resposta negativa de Boal veio da Croácia, onde participava de um festival de teatro. No terceiro telefonema, na tarde da sexta-feira 4, a reportagem, enfim, localizou o artista em sua casa, no Rio de Janeiro.

Concorrente ao Nobel pelo trabalho no Teatro do Oprimido, metodologia criada nos anos 60 que mistura arte com ação social, Boal extrapola os palcos brasileiros. Sua teoria, que une dramaturgia, grupos populares e direitos humanos, está presente em mais de 70 países – só neste primeiro semestre, Boal visitou oito deles.

No Brasil, à frente do Centro do Teatro do Oprimido (CTO), realiza trabalhos em escolas municipais e presídios. Os participantes brincam com figurinos, criam poesias e promovem debates com políticos e historiadores.

No momento, o comitê norueguês que organiza o Nobel analisa, entre mais de cem candidatos, quais serão os postulantes oficiais. O anúncio do prêmio, jamais ganho por um brasileiro, acontecerá em outubro. “O carinho das pessoas que me indicaram já é o meu grande Prêmio Nobel”, diz Boal. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

CartaCapital: Como foi receber a notícia da indicação ao Prêmio Nobel da Paz?
Augusto Boal:
Foi uma surpresa muito agradável. Estou feliz porque recebi indicações de cinco continentes. Algumas pessoas me mandaram cópias das cartas que enviaram ao comitê de avaliação. Oceania e Nova Zelândia, Índia, Paquistão, Sri Lanka, Argentina, Brasil, Uruguai, Estados Unidos, Europa... Chegaram manifestações de apoio vindas de todos os países em que o Teatro do Oprimido está presente. Esse carinho, para mim, já é o grande Prêmio Nobel. É um carinho ativo, muito bacana.

CC: O senhor acaba de ser aclamado por um festival americano, onde recebeu até um Nobel simbólico. Conte-nos um pouco dessa homenagem.
AB:
Estive nos Estados Unidos, em Omaha, em maio. Todos os anos, eles fazem um evento chamado Pedagogy and Theatre of the Opressed Conferency. Nesta edição, eles me deram um prêmio muito bonito. Disseram que eu ganharia o Noble Prize, o Prêmio Nobre. Usaram a palavra Nobel e a palavra Noble, que significa nobre.

CC: Como foi recebê-lo?
AB:
A sala estava cortada por uma fila de umas vinte pessoas. Cada uma delas lia um trecho da minha biografia e, em seguida, entregava-me um cravo. No final dessa fila, meu filho, Julian Boal, que trabalha sempre comigo, esperava-me. Encontrei-o com duas dúzias de cravos nas mãos. Foi realmente bonito. Ganhei, também, um anel similar ao que recebi quando me formei em Engenharia Química, na Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Quando fui preso e exilado, anos depois, a polícia sumiu com o presente. Por isso, essa réplica é tão simbólica.

CC: Um dos métodos do Teatro do Oprimido é trabalhar com a certeza de que todos podem melhorar. Depois destes anos todos de trabalho, o senhor ainda encontra alguma resistência?
AB:
A resistência agora é tênue, muito pequena. Antigamente era mais difícil convencer as pessoas de que o Teatro do Oprimido é teatro. Usamos a linguagem teatral para nos expressar, criamos o espaço cênico mesmo não tendo nada. Ele pode ser feito na beira da praia, no meio do deserto ou dentro de um teatro. Mas não é preciso de um teatro para fazer teatro. É o que chamamos de teatro essencial.

CC: O Teatro do Oprimido está presente em mais de 70 países. Ele tem mais força dentro ou fora do País?
AB:
Acho que aqui Brasil ainda há um certo desconhecimento da importância do Teatro do Oprimido. Vou te dar um exemplo. Volta e meia, recebo pilhas de teses de mestrado e doutorado, vindas dos Estados Unidos, que analisam aspectos do Teatro do Oprimido, como a ligação com terapias, as minhas análises referentes a Aristóteles e à catarse. Há vários tópicos da minha obra que viraram teses de 100, 150 páginas, coisas bem fundamentadas. Aqui no Brasil também fazem, mas é muito mais raro.

CC: Por quê?
AB:
O Teatro do Oprimido começou a ser desenvolvido lá fora. Eu estive exilado 16 anos e nesse tempo todo eu viajei pelo mundo. Não o mundo inteiro, mas quase isso (risos). Fiz oficinas, conferências, e o trabalho foi se frutificando. Voltei para o Brasil há vinte anos. Muito antes, portanto, desenvolvia isso lá fora, passeando pelo mundo e trabalhando pelo mundo. Este ano, já estive em oito países. Acabei de chegar da Croácia.


CC: Como foi a experiência por lá?
AB:
Foi uma viagem ótima. Estive em uma cidade pequena chamada Pula, assim mesmo, como se escreve em português. Mas o nome da cidade não vem do verbo pular, vem de Polis, porque eles foram invadidos e ocupados, inclusive, pelos gregos. Participei de um festival interessantíssimo. Ao mesmo tempo em que ocorriam oficinas, foram apresentados espetáculos de Teatro do Oprimido. Fiz uma oficina. Um mês antes, havia apresentado trabalho semelhante em Barcelona. Em novembro, haverá outro festival, em Calcutá, na Índia.

CC: O Teatro do Oprimido é muito forte na Índia, não?
AB:
Eles têm um movimento fantástico de Teatro do Oprimido, com quase um milhão de participantes. Estive lá em 2006 para assistir à consolidação da Federação Indiana do Teatro do Oprimido. Havia mais de 12 mil pessoas desfilando nas ruas.

CC: Há diferenças entre os participantes desses diversos países?
AB:
Há diferenças culturais, mas a base é a mesma do Teatro do Oprimido que a gente faz aqui. Os africanos são muito rítmicos, eles dançam todo o tempo. Os indianos são mais melódicos, com movimentos curvos, extremamente delicados. Os alemães são diretos, concretamente vão ao tema. Os franceses são mais faladores. É assim: cada país tem uma maneira diferente de apresentar todas as formas do Teatro do Oprimido.

CC: Quais são elas?
AB:
Hoje não é só o Teatro-Fórum, embora seja esta a forma mais usada. No Teatro-Legislativo, eles fazem leis a partir do teatro. Há também o Teatro-Imagem, além de muitas formas aplicadas na educação e na saúde mental. É algo bonito, que se alastra pelo mundo.

CC: É possível contabilizar quantas pessoas participam do Teatro do Oprimido pelo mundo?
AB:
Olhe, acho difícil contabilizar. No site oficial, www.theatreoftheoppressed.org, estão cadastrados 53 países. Mas sei que existem outros mais, especialmente na África. Em julho de 2009, devemos fazer um encontro no Rio de Janeiro com representantes do mundo inteiro.

CC: O senhor acredita que, com base nesse trabalho mobilizador, é possível realmente melhorar as pessoas?
AB:
Tenho certeza. Não é só uma crença, é uma certeza, e a gente vê que isso está acontecendo. Trabalhamos muito com o Ministério da Justiça, da Educação e da Saúde. As conversas são boas, e eles estão sempre dando apoio. Mas a burocracia interna de cada ministério é terrível, tudo se arrasta. Os programas começam, param, recomeçam, tornam a parar... Mas, em meio a isso, temos uma parceria com o Ministério da Cultura. No Cultura Viva, trabalhamos em 16 estados do Brasil, multiplicando esse método. Para nós, é importante que o método do Teatro do Oprimido não seja nosso, mas sim de todo mundo. Se ele é bom, todo mundo tem de usar.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=10&i=1384

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