quinta-feira, 12 de junho de 2008

Stedile rebate Joelmir Betting: MST é movimento social, sim

Em carta para Joelmir Betting, o sociólogo João Pedro Stedile, um dos coordenadores nacionais do MST rebateu a tese do jornalista segundo a qual o MST "não é mais um movimento social e apenas um movimento político".


Segundo Stedile, "todos os atos do MST são também políticos, sem com isso perdermos nossa condição de um movimento social que organiza trabalhadores do campo e da cidade para lutar por nossos direitos". A carta foi publicada nesta quarta-feira (11) no blog Diário Gauche, em nota assinada por Cristóvão Feil.


Além da carta, o blog também publicou um manifesto da Via Campesina citado por Stedile e intitulado "Queremos produzir alimentos - Contra o agronegócio e em defesa da agricultura camponesa". Confira abaixo a íntegra dos textos.

Estimado Joelmir Betting,

Vi seu comentário no Jornal da Band de ontem. E me desculpe a petulância, mas gostaria também de comentar, em respeito à sua trajetória histórica e sua inteligência. (Não costumamos fazer isso, com outros comentaristas da direita, como os Rosenfields e Jabores da vida, que são pagos apenas para defender os interesses do lucro e do capital, e por isso usam suas línguas como cães-de-guarda a latir em defesa do patrão.)

Mas fiquei provocado com a sua frase de que o nosso MST não é mais um movimento social e apenas um movimento político, porque estamos mobilizados e ocupando algumas instalações de empresas.

Primeiro, desde o filósofo Sócrates, todos os seres humanos ao participarem de sociedades, têm vida política. A sociedade é uma organização em permanente disputa de poder, entre pessoas, grupos e classes. E por isso, todos somos também políticos. Seu comentário e sua função é também política. E, obviamente, todos os atos do MST são também políticos, sem com isso perdermos nossa condição de um movimento social que organiza trabalhadores do campo e da cidade para lutar por nossos direitos. E assim melhorar as condições de vida.

Aliás, sugiro que quando você comentar que a Bunge, se apropriou das fábricas de fertilizantes privatizadas da Petrobras, a preço de banana, diga que, além do lucro, ela também praticou um ato político, pois está em busca do controle, do poder sobre a sociedade de um bem essencial que são os fertilizantes para a agricultura. E por ela ter esse tamanho poder político atual, é que se deu o "direito" de aumentar o preço dos fertilizantes em 130%, em apenas um ano.

A Votorantim também faz política, quando decide por conta e risco, ter poder sobre 650 famílias que vivem tranqüilamente no Vale do Ribeira (SP), e sem consultá-los, resolve tomar o rio, as águas e construir uma hidrelétrica para aumentar seus lucros.

Você se redimiu, quando deixou a pergunta no ar, aos telespectadores: "Vocês acham que esse tipo de luta ajuda a reforma agrária?"

A nossa resposta à sua pergunta, está no manifesto que escrevemos coletivamente, e que distribuimos aos milhares, para a população brasileira, explicando porque estamos lutando, e que segue abaixo.

Um forte abraço,

João Pedro Stedile

***

Queremos produzir alimentos

Contra o agronegócio e em defesa da agricultura camponesa

O atual modelo econômico, baseado no agronegócio e no capital financeiro, quer transformar os alimentos, as sementes e todos os recursos naturais em mercadoria para atender os interesses, o lucro e a ganância das grandes empresas transnacionais.

Para isso, esses grupos econômicos se apropriam de terra, águas, minerais e biodiversidade, privatizando o que é de todos. Além disso, desmatam as florestas e deterioram os solos com a monocultura. Também aumentam a exploração dos trabalhadores, precarizam, retiram e desrespeitam os direitos trabalhistas, causam desemprego, pobreza e violência.

Dessa forma, o agronegócio promove a concentração da riqueza nas mãos dos mais ricos, especialmente banqueiros e empresas transnacionais, enquanto aumenta a desigualdade e a pobreza da população. É necessário e urgente combater essa lógica opressora e destrutiva, que apresentamos nos seguintes pontos:

I - Denunciamos

Denunciamos o atual modelo agrícola porque:

1. Favorece os interesses das empresas transnacionais, que compõem aliança com os latifundiários para controlar a nossa agricultura e obter grandes lucros na produção e comercialização dos alimentos e na venda das sementes e insumos agrícolas.

2. Prioriza o monocultivo em grandes extensões de terras, que afeta o meio ambiente, deteriora os solos e exigem o uso grandes quantidades venenos.

3. Estimula a monocultura de eucalipto e pínus, que destroem a biodiversidade, causam poluição ambiental, geram desemprego e promovem a desagregação social das comunidades camponesas, indígenas e quilombolas.

4. Incentiva a produção de etanol para exportação, promovendo a ampliação do plantio da monocultura da cana-de-açúcar e, conseqüentemente, causando a elevação dos preços dos alimentos e a concentração da propriedade da terra por empresas estrangeiras.

5. Difunde o uso das sementes transgênicas, que destroem a biodiversidade, eliminam as nossas sementes nativas, podem causar danos à saúde dos camponeses e consumidores de alimentos e transfere para as transnacionais o controle político e econômico das sementes.

6. Promove o desmatamento dos nossos biomas, de modo especial da floresta amazônica e do cerrado, e a destruição dos babaçuais, através da expansão da pecuária, soja, eucalipto e cana, juntamente como a exportação de madeiras e minérios.

II- Somos contra

As transnacionais, os latifundiários e um grupo de políticos, partidos e parlamentares que defendem interesses econômicos e querem aprovar projetos que vão piorar ainda mais esse quadro e, por isso:

1. Somos contra a lei de concessão das florestas públicas, que significa a privatização da biodiversidade, e o projeto de lei nº 6.424/05, que reduz a área da reserva legal da Amazônia de 80% para 50%, de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).

2. Somos contra a Medida Provisória nº 422/08, que legaliza áreas de até 1500 hectares, invadidas por latifundiários na Amazônia, quando a Constituição determina apenas até 50 hectares.

3. Somos contra a Medida Provisória que desobriga o registro em carteira até três meses de trabalho. Condenamos a existência impunemente do trabalho escravo, da exploração do trabalho infantil e da falta de garantia aos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores rurais.

4. Somos contra o Projeto de Emenda Constitucional nº 49/06, que propõe diminuir a extensão da faixa de fronteiras para beneficiar empresas transnacionais e grupos econômicos internacionais, de autoria do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) .

5. Somos contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, que visa apenas beneficiar o hidronegócio e a produção para exportação e não atende as necessidades das populações que vivem na região do semi-árido nordestino.

6. Somos contra a privatização das águas, que passam a se monopolizadas por empresas transnacionais como Nestlé, Coca-Cola e Suez.

7. Somos contra o atual modelo energético, baseado na construção de grandes hidrelétricas - principalmente na Amazônia -, que entrega o controle da energia às grandes corporações multinacionais e favorece as grandes empresas que mais consomem energia.

III - Defendemos


Estamos mobilizados e vamos lutar para mudar essa realidade. Por isso, queremos:

1. Construir um novo modelo agrícola, baseado na agricultura camponesa, na Reforma Agrária, na distribuição de renda e fixação das pessoas no meio rural.

2. Combater a concentração da propriedade da terra e de recursos naturais, fazendo uma ampla distribuição dos latifúndios, com a definição de um tamanho máximo para a propriedade da terra.

3. Garantir que a agricultura nacional seja controlada pelo povo brasileiro, assegurando a produção de alimentos, como uma questão de soberania popular e nacional, incentivando as agroindústrias cooperativadas e o cultivo de alimentos sadios.

4. Diversificar a produção agrícola, na forma de policulturas, respeitando o meio ambiente e usando técnicas de produção da agroecologia.

5. Preservar o meio ambiente, a biodiversidade e todas as fontes de água, com atenção especial ao Aqüífero Guarani, combatendo as causas do aquecimento global.

6. Desmatamento zero na Amazônia e nos demais biomas brasileiros, preservando a riquezas naturais e usando os recursos naturais de forma adequada e sustentável, em favor do povo. Defendemos o direito coletivo da exploração dos babaçuais.

7. Preservar, difundir, multiplicar e melhorar as sementes nativas, dos diferentes biomas, para garantir o seu acesso a todos os agricultores.

8. Lutar pela aprovação imediata da lei que determina expropriação de todas as propriedades com trabalho escravo e a instituição de pesadas multas aos latifundiários que não cumprem as leis trabalhistas e previdenciárias.

9. Exigir a implementação da política proposta pela Agência Nacional de Águas, que prevê obras e investimentos em cada município do semi-árido, necessárias para resolver o problema de água da população da região.

10. Impedir que a água se transforme em mercadoria e garantir seu gerenciamento como um bem público, acessível a toda a população.

11. Assegurar um novo modelo energético que garanta a soberania energética, que priorize o desenvolvimento de todos, utilizando o uso racional da energia hidráulica em pequenas usinas, com a produção de agrodiesel e álcool pelos pequenos agricultores e suas cooperativas.

12. O governo federal deve autorizar o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a retomar a regularização, com maior celeridade, de todas as áreas pertencentes aos quilombolas.

13. Promover a demarcação imediata de todas as áreas indígenas e expulsão de todos os fazendeiros invasores, em especial da Raposa Serra do Sol e das áreas dos guarani no Mato Grosso do Sul.

O governo Lula precisa honrar os compromissos assumidos para a realização da Reforma Agrária, cumprindo seu programa político, assinado em julho de 2002, assentando imediatamente todas as famílias acampadas e construindo no mínimo 100 mil casas por ano no campo para evitar o êxodo rural. A nossa luta é pela construção de uma sociedade justa, com igualdade e democracia, onde a riqueza é repartida com todos e todas.

Via Campesina


http://www.vermelho.org.br/base_tmax.asp?texto=38611

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