Diante do debate acerca do Racismo Institucional na UFBA, é imprescindível considerar as lições do Professor Samuel Vida , militante histórico da causa, profundo conhecedor do tema e mais um dos alvos desse mal.
Universidade, racismo institucional e epistemicídio
Universidade, racismo institucional e epistemicídio
As declarações preconceituosas e racistas do professor Antonio Natalino Dantas, ex-coordenador do curso de graduação em Medicina, da Universidade Federal da Bahia, para além da evidente insensatez e intolerância pessoal, revelam questões profundas referentes à concepção, organização e prática da Universidade.
Desde a modernidade, o projeto universalista eurocêntrico usa a Universidade como espaço de legitimação das fantasias supremacistas etnocêntricas, chanceladas com a aura de cientificidade e academicismo, responsáveis pela hegemonização civilizatória do planeta.
A Universidade no Brasil (e na Bahia) seguiu o mesmo caminho. Criada para formar a elite política e profissional do país, desde o primeiro momento optou pelo caminho monoculturalista e intolerante, diante de outros aportes civilizatórios e epistemológicos legados pelos povos ameríndios e africanos. Prosseguiu sua missão epistemicida, desqualificando as expressões civilizatórias ameríndias e africanas, relegando-as a objeto de especulação pseudo-científica, e rotulando-as como folclore e cultura popular. Assumiu, assim, uma postura institucionalmente racista.
Na Bahia, temos o caso exemplar do professor da Faculdade de Medicina, Raimundo Nina Rodrigues, autor de estudos pseudo-cientí ficos que reproduziam as teses supremacistas européias e buscavam justificar as escolhas políticas racistas da elite.
Não há mera coincidência entre as teses do professor Nina Rodrigues e as posições sustentadas pelo professor Antonio Natalino Dantas. Há continuidade. Tampouco se limitam ao ambiente da Faculdade de Medicina. Reproduzem-se posições assemelhadas em todo ambiente acadêmico das universidades, seja através de reminiscências das teses pseudo-cientí ficas, seja na expressão monoculturalista e epistemicida dos currículos e programas adotados, seja através dos referenciais orientadores das pesquisas, seja nas formas de negação do protagonismo na produção de conhecimento, fora do ambiente controlado da academia, seja na fabulação de simbologias integradoras à tradição euroetnocêntrica. A este propósito, revela-se emblemática a busca da UFBA pela associação com as "comemorações" da chegada da "família real", e a estranha reivindicação de universidade bicentenária!
Nem mesmo as recentes conquistas relativas à democratização do acesso, construídas pela mobilização e pressão dos movimentos negros, abalam o persistente racismo institucional que permeia a concepção, organização e prática universitária nesta sociedade.
O episódio recente deve servir para lembrar que há uma agenda complexa e profunda a ser definida para que a Universidade supere o racismo institucional e se afirme como ambiente democrático de construção do conhecimento qualificado, eticamente e tecnicamente, e habilitado a expressar as ricas possibilidades que uma sociedade multicultural reclama.
Samuel Vida, Ogã de Xangô do Terreiro do Cobre, Professor da Faculdade de Direito da UFBA e advogado.
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